Quando se pensa o Universo a partir das leis da mecânica quântica
começam a fazer sentido algumas ideias aparentemente
inconcebíveis.[Imagem: Anne Goodsell/Tommi Hakala]
Influências do futuro sobre o passado
Uma reformulação radical da mecânica quântica sugere que o Universo
tem um destino definido, e que esse destino já traçado volta no tempo
para influenciar o passado, ou o presente.
É uma afirmação alucinante, mas alguns cosmólogos já acreditam que
uma reformulação radical da mecânica quântica, na qual o futuro pode
afetar o passado, poderia resolver alguns dos maiores mistérios do
universo, incluindo a forma como a vida surgiu.
E, além da origem da vida, poderia ainda explicar a fonte da energia escura e resolver outros enigmas cósmicos.
O que é mais impressionante é que os pesquisadores afirmam que
recentes experimentos de laboratório confirmam de forma dramática os
conceitos que servem de base para esta reformulação.
Ordem oculta na incerteza
O cosmólogo Paul Davies, da Universidade do Arizona, nos Estados
Unidos, está iniciando um projeto para investigar que influência o
futuro pode estar tendo no presente, com a ajuda do Instituto FQXi, uma
entidade sem fins lucrativos cuja proposta é discutir as questões
fundamentais da física e do Universo.
É um projeto que vem sendo acalentado há mais de 30 anos, desde que
Davies ouviu falar pela primeira vez das tentativas do físico Yakir
Aharonov para chegar à raiz de alguns dos paradoxos da mecânica
quântica.
Um desses paradoxos é o aparente indeterminismo da teoria: você não
pode prever com precisão o resultado de experimentos com uma partícula
quântica; execute exatamente o mesmo experimento em duas partículas
idênticas e você vai obter dois resultados diferentes.
Enquanto a maioria dos físicos que se confrontaram com esse problema
concluíram que a realidade é, fundamentalmente, profundamente aleatória,
Aharonov argumenta que há uma ordem oculta dentro da incerteza. Mas,
para entender sua origem, é necessário um salto de imaginação que nos
leva além da nossa visão tradicional de tempo e causalidade.
Em sua reinterpretação radical da mecânica quântica, Aharonov
argumenta que duas partículas aparentemente idênticas comportam-se de
maneiras diferentes sob as mesmas condições porque elas são
fundamentalmente diferentes. Nós apenas não detectamos esta diferença no
presente porque ela só pode ser revelada por experiências realizadas no
futuro.
"É uma ideia muito, muito profunda", diz Davies.
Consequências presentes do futuro
A abordagem de Aharonov sobre a mecânica quântica pode explicar todos
os resultados normais que as interpretações convencionais também
conseguem, mas tem a vantagem adicional de explicar também o aparente
indeterminismo da natureza.
Além do mais, uma teoria na qual o futuro pode influenciar o passado
pode ter repercussões enormes e muito necessárias para a nossa
compreensão do universo, diz Davies.
Os cosmólogos que estudam as condições do início do universo ficam
intrigados sobre o porquê do cosmos parecer tão idealmente talhado para a
vida.
Mas há também outros mistérios: Por que é que a expansão do universo
está se acelerando? Qual é a origem dos campos magnéticos visto nas
galáxias? E por que alguns raios cósmicos parecem ter energias
impossivelmente altas?
Estas questões não podem ser respondidas apenas olhando para as condições passadas do universo.
Mas talvez, pondera Davies, se o cosmos já tem definidas algumas
condições finais nele próprio - um destino -, então isto, combinado com a
influência das condições iniciais estabelecidas no início do universo,
pode perfeitamente explicar estes enigmas cósmicos.
Aharonov já teve ideias menos extravagantes, como a aplicação da nanotecnologia à água. [Imagem: Katsir et al.]
Testando a flecha do tempo
É uma ideia muito boa - embora extremamente estranha.
Mas haveria alguma maneira de verificar a sua viabilidade? Dado que
ela invoca um futuro ao qual ainda não temos acesso como causa parcial
do presente, isto parece ser uma tarefa impossível.
No entanto, testes de laboratório engenhosamente inventados
recentemente colocaram o futuro em teste e descobriram que ele poderia
realmente estar afetando o passado.
Aharonov e seus colegas previram há muito tempo que, para certos
experimentos quânticos muito específicos, realizados em três etapas
sucessivas, o modo como a terceira e última etapa é realizada pode mudar
dramaticamente as propriedades medidas durante o passo intermediário.
Assim, ações realizadas no futuro (na terceira etapa), seriam vistas
afetando os resultados das medições efetuadas no passado (na segunda
etapa).
Em particular, nos últimos dois anos, equipes experimentalistas
realizaram repetidamente experiências com lasers que mostram que,
ajustando o passo final do experimento, é possível introduzir
amplificações dramáticas no montante pelo qual o feixe de laser é
desviado durante as etapas intermediárias do experimento. Em alguns
casos, a deflexão observada durante a etapa intermediária pode ser
amplificada por um fator de 10.000, dependendo das escolhas feitas na
etapa final.
Estes resultados estranhos podem ser explicados de forma simples pelo
quadro traçado por Aharonov: a amplificação intermediária é o resultado
da combinação de ações realizadas tanto no passado (na primeira etapa)
quanto no futuro (na etapa final).
É muito mais complicado explicar esses resultados usando
interpretações tradicionais da mecânica quântica, afirma Andrew Jordan,
da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, que ajudou a conceber
um dos experimentos com laser.
A situação pode ser comparada à forma como o modelo heliocêntrico do
Sistema Solar, de Copérnico, e o modelo geocêntrico de Ptolomeu, ambos
fornecem interpretações válidas dos mesmos dados planetários, mas o
modelo heliocêntrico é muito mais simples e mais elegante.
Uma das ideias "selvagens" mais recentes de Davies foi a de uma viagem sem volta a Marte. [Imagem: NASA/JPL]
Consequências cósmicas
Embora os experimentos com laser estejam dando boas notícias para a
equipe, Davies, Aharonov, Tollaksen e seu colega Menas Kefatos, da
Universidade Chapman, na Califórnia, estão agora à procura de
consequências cósmicas observáveis de informações do futuro
influenciando o passado.
Um bom lugar para procurar é a radiação cósmica de fundo
(CMB), o "brilho" remanescente do Big Bang. A CMB tem ondulações fracas
de calor e frio e, trinta anos atrás, Davies desenvolveu um modelo com
seu então aluno Tim Bunch que descreve essas ondas no nível quântico.
Davies e Tollaksen estão agora revisando este modelo no novo arcabouço quântico.
Físicos têm ideias já bem desenvolvidas sobre como era o estado
inicial do universo e como pode acabar sendo seu estado final - muito
provavelmente um vácuo, o resultado inevitável da contínua expansão.
A equipe está colocando estas ideias junto com seu novo modelo para
ver se ele consegue prever assinaturas características da influência do
futuro na CMB que possam ser captadas pelo telescópio espacial Planck.
"A cosmologia é um caso ideal para esta abordagem," afirma Bill
Unruh, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. "Desde que
Aharonov encontrou esses resultados tão estranhos em algumas situações,
vale a pena olhar para a cosmologia."
Davies ainda não sabe se essas ideias vão produzir resultados. Mas se o fizerem, seria revolucionário.
"A coisa mais notável sobre Paul," avalia Michael Berry, da
Universidade de Bristol, "é que ele tem ideias muito selvagens
combinadas com extremo cuidado e sobriedade."
Este pode ser exatamente o caráter necessário para fazer um grande
avanço. Pode até ser o destino de Davies, uma mescla de seu futuro e de
seu passado.
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